Plínio Gustavo Prado Garcia*

O Homem (ser humano) é parte indissociável do meio ambiente. Nosso ambiente é o planeta Terra. Não vivemos, ainda, fora dele.

Nosso planeta não é estático nem imutável. Os desastres naturais estão aí para provar isso.

Dessa maneira, o Homem não só vive na natureza como intervém na natureza.

Toda intervenção humana na natureza, no meio-ambiente, ocasiona alterações ambientais.

Essas alterações podem ser graduadas por níveis de classificação.

No primeiro nível, está a intervenção necessária. 

Num segundo nível, a intervenção conveniente.

Em terceiro, a intervenção abusiva, geradora ou não de danos ambientais, que, ocorrendo estes, poderão ser sub-classificados em danos reparáveis e danos irreparáveis ou de difícil reparação.

Em quarto, a intervenção recuperadora do ambiente, em face das alterações nele ocorridas ou dos danos nele produzidos.

intervenção necessária é consequência da simples presença do Homem no planeta Terra.

O Homem já tinha direito a um teto, desde quando habitava em cavernas. Mesmo nas cavernas, fazia ele interferências ambientais. O aglomerado humano produz as comunidades. As comunidades exigem lugar no espaço terrestre. E, assim por diante, na construção das cidades e de suas utilidades inerentes à vida moderna, à locomoção, à produção industrial, rural, de bens e serviços, à construção de fábricas, de usinas de energia etc.

A mera colonização do Brasil é exemplo típico de intervenção humana no meio-ambiente. Caso que se caracteriza como intervenção senão necessária, ao menos conveniente.

Não é preciso dizer que essa intervenção resultou na derrubada de florestas, na alteração do solo, da superfície, de rios, de córregos ao longo dos séculos. Resultou, também, no que temos hoje, em termos de vida moderna, com seus valores e desvalores, com seus benefícios e malefícios.

Se a preservação do Planeta constitui um requisito indispensável, o é, exatamente, em razão da própria preservação da bio-diversidade, da qual é o Homem parte integrante e indissolúvel.

Em certo sentido, poderíamos dizer que, enquanto Homo Sapiens, o Planeta existe para lhe dar guarida, como a tudo o mais que nele exista.

Vivemos, atualmente, sob o signo do ambientalismo.

O ambientalismo passou, entretanto, a ser mais do que um movimento de preservação da natureza, na medida em que se esquece de um fator preponderante: do bicho Homem. Expressão, aliás, cunhada por meu saudoso irmão, Dr. João Batista Prado Garcia, em matéria já publicada na imprensa, nos idos de 1980 e 1990.

Vivemos, hoje, sob o ambientalismo exacerbado, como se nada pudesse o Homem fazer na natureza e como se tudo que faça o Homem na natureza haja de ser condenado, reprimido e punido. Inclusive com penas privativas da liberdade.

Já diziam os romanos: “Virtus in medio”. A virtude está no meio termo. No ponto de equilíbrio.

De igual modo, o constitucionalismo norte-americano desenvolveu o conceito de razoabilidade, inerente ao devido processo legal substantivo (a cláusula “due process of law”) para coibir os abusos da lei ou a abusiva aplicação de lei.

Diante disso, nos vemos compelidos a sustentar uma linha de raciocínio pautada pela necessidade de equilíbrio nas análises e nos julgamentos relacionados com alegadas infrações ambientais em cada caso concreto.

Sim, não há de se julgar “in abstrato”, o que deva ser analisado, ponderado e julgado “in concreto”.

Uma intervenção ambiental, ainda que aparentemente em desacordo com a lei, nem sempre será intervenção ambiental danosa ao meio-ambiente. Danosa, evidentemente, seria uma intervenção como a da mineração de ouro em águas fluviais, não em razão da mineração si mesma (dado que a mineração constitui um dos casos de intervenção ambiental necessária e também conveniente ao ser humano), mas em consequência do uso de mercúrio na busca do ouro, quando esse metal pesado seja ali usado. Teremos, nessa hipótese, um dano ambiental irreparável ou de difícil reparação.

De igual modo, é impossível a mineração de cava ou mineração a céu aberto sem eliminação da cobertura vegetal. Caso típico de intervenção necessária e conveniente, que não impede, entretanto, a posterior recuperação ambiental. Logo, a intervenção subsequente, será uma intervenção reparadora, uma intervenção objetivando recuperação ambiental, nas linhas do plano a ser aprovado junto aos órgãos de controle do meio-ambiente.

Medidas administrativas e mesmo judiciais em defesa do meio-ambiente devem seguir os devidos trâmites legais, sem prejuízo do direito ao contraditório e à ampla defesa das pessoas físicas e/ou jurídicas autuadas ou processadas.

Não basta, assim, alegar a ocorrência de intervenção ambiental por qualquer dessas pessoas, mas de intimá-las a dar as devidas explicações sobre a natureza e o caráter da alegada intervenção.

Pondere-se que nem toda intervenção no meio-ambiente deve ser impedida ou punida. Mormente quando se esteja diante de uma intervenção humana que busque corrigir não só desvios da própria natureza como de atos humanos anteriores.

Casos típicos são aqueles em que o “interventor” trata de sanar alterações ambientais produzidas por pessoas físicas ou jurídicas que hajam ocupado determinada área rural ou mesmo urbana.

Casos há em que tais intervenções, que chamaríamos de benéficas, tenham sido empreendidas “à margem da lei”, por falta de prévias licenças ambientais.

Entretanto, o que há de ser ponderado como fator mais importante, não será a falta de tais prévias licenças, mas o que efetivamente veio o “interventor” a realizar na área ou nas áreas em questão, já em termos de recuperação ambiental. Ou que, ainda, possa realizar.

Outro ponto a ser levado em conta: qual o tamanho da área total e qual o tamanho da área sobre a qual paire alegação de intervenção ambiental (comumente já alcunhada de “dano ambiental”). Digamos que a área em questão represente cerca de 10% (dez por cento) da área total da propriedade. Que a alegação seja de ocorrência de intervenção ambiental nessa área menor; que tenha havido ali impedimento de regeneração florestal, desvio de cursos d’agua, ou mesmo algumas edificações. A isso, respondemos: Não estaria essa mesma acusação contra o “interventor” a admitir que esse mesmo “interventor” mantém preservados os 90% (noventa por cento) restantes da área em questão? Estaria essa acusação considerando o que tenha esse “interventor” efetivamente realizado em termos de recuperação e preservação dessa área toda?  Mais ainda quando mais de 20 anos se tenham passado desde quando os atos de recuperação ambiental da “área degradada” tiveram início? Anos durante os quais o “interventor” veio suportando, com seus próprios recursos, e às suas próprias custas, todos os encargos dessa recuperação da “area degradada” e dos outros 90% da área?  Não seria o caso, como acontece nas propriedades situadas junto às nascentes do rio que abastecesse a cidade de Nova York, de ser esse “interventor” remunerado pelos cofres públicos por esses atos de recuperação e preservação da natureza? Desde quando se pode exigir do proprietário ou do possuidor que arque com os custos de manutenção de uma propriedade sem que dela possa, ao menos obter parte desses mesmos recursos financeiros?  Se um meio de buscar esses recursos for através da locação de seu espaço para “festas no Sítio”, sem acesso a público pagante, mas com acesso apenas a convidados do “locatário”, não será isso equiparável ao ato do proprietário de uma casa de praia que loque seu imóvel para veranistas em temporadas de verão?

Fala-se, muitas vezes, em que este ou aquele lugar são áreas de preservação permanente. O que, efetivamente, não significa áreas impedidas de serem usadas. Caso contrário, teríamos uma situação de desapropriação indireta. Mais relevante deve ser verificar se os atos praticados pelo proprietário ou possuidor da área são ou não compatíveis com seu devido uso. Assim, pode haver situações em que esses atos sejam prejudiciais ao meio-ambiente. Outros, entretanto, poderão demonstrar, isto sim, que a área se encontra sob constantes atos de preservação permanente por parte desse proprietário ou desse possuidor, ainda que dela um ou outro faça uso.

Esse uso pode até mesmo estar caracterizado pela presença de algumas edificações no local. Mas é necessário distinguir se tais edificações, por si mesmas, ou pelas atividades nelas exercidas trazem algum prejuízo ou dano ao ambiente. Há edificações neutras, nesse sentido, e outras que podem ter um potencial lesivo ou danoso ao ambiente. Se não se encontram presentes, em cada caso, esses efeitos lesivos ou danosos ao ambiente, deve-se suportar a presença, ali, dessas edificações.

Caso típico de edificações em áreas próximas a cursos d’água ou que sejam atingidas pelas águas nas cheias dos rios são as palafitas onde residem ribeirinhos na Amazônia. Deveriam ser demolidas, tão só por isso?

Ademais, nem todo ato de intervenção ambiental implica poluição. Logo, não se pode empregar o termo “poluidor” para quem não esteja poluindo o ambiente. Assim, o agente de uma intervenção no meio-ambiente (“interventor”) não será, necessariamente, um “poluidor”.

Em suma, cada caso é um caso. A lei não pode fazer tábula raza. Lei aplicada com desprezo aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade é lei aplicada sem justiça, sem equilíbrio, com abuso de poder e irracionalidade. Nessas hipóteses, o problema não está, necessariamente, na lei, mas no modo pelo qual pretenda a autoridade administrativa aplicá-la ou esperar que venha o juiz a assim aplicar.

Reiterando: a virtude está no meio termo. Por isso mesmo, a Justiça tem, como símbolo, a balança. E esta, o seu fiel, a exigir o equilíbrio nas decisões humanas.

*Plínio Gustavo Prado Garcia, advogado, professor de Direito Civil e Direito Tributário, Mestre em Direito Comparado pela GW. University de Washington, DC,  palestrante e conferencista, é sócio fundador de Prado Garcia Advogados, www.pradogarcia.com.br – e-mail: advocacia@pradogarcia.com.br)

Plínio Gustavo Prado Garcia

O fato gerador da obrigação tributária é o acontecimento previsto em lei que, ocorrendo, desencadeia para o sujeito passivo a obrigação de recolher o valor do tributo. Já, o momento em que deva ser efetuado esse recolhimento, por não fazer parte da hipótese material de incidência do tributo, da tipologia do tributo, pode ser previsto em decreto do Poder Executivo. Evidentemente, nada impede que seja determinado em lei.Seja qual for o caso – salvo as excrescências jurídicas – não há obrigação tributária sem anterior fato gerador.

As operações tributadas podem estar relacionadas com atos isolados ou podem ocorrer no contexto de negócios jurídicos encadeados, como se verifica no caso dos impostos indiretos de que são exemplos as operações sujeitas à incidência do ICMS e do IPI.

 No geral, as operações sujeitas ao ICMS e ao IPI resultam de vendas a prazo, mais do que de vendas à vista.

É certo que o fator tempo tem efeitos sobre os negócios jurídicos. Uma dívida não paga no vencimento acarreta perdas para o credor. A que seja antecipada, beneficia o credor ao mesmo tempo em que reduz a disponibilidade financeira do devedor, salvo se do credor receber desconto pela antecipação do pagamento.

Analisando-se a questão sob o ângulo contábil, nos recebimentos à vista, tem-se a coincidência dos regimes de competência e de caixa. Essa coincidência deixa de existir sempre que o vencimento da obrigação se distanciar da data ou do período de ocorrência de seu fato gerador (regime de competência).

Note-se que todo tributo – salvo as hipóteses de imunidade e isenção –  há de produzir receita tributária. Dessa maneira, toda operação tributada há de contemplar o montante do tributo devido e o montante que não corresponda a valor tributado. Caso contrário, teríamos o confisco.

Não deve haver recolhimento de tributo por antecipação. A menos que se trate de um incentivo ao sujeito passivo em face de operação tributável que venha a realizar, caso em que esse incentivo poderá ser o de desconto sobre o valor a ser recolhido, se efetuado o pagamento antes de seu vencimento.

Voltando à diferenciação entre regime de competência e regime de caixa, fica evidente que, nas operações a prazo, tributadas como operações à vista, há total discrepância de tratamento, já que o recolhimento do tributo é exigido como se todas as operações houvessem sido realizadas à vista. Nas operações a prazo, não há entrada imediata de seu valor à vista no caixa do sujeito passivo da obrigação tributária. Não ingressa nem a receita tributária da venda, nem o remanescente do valor da operação (isto é, seu preço líquido, sem o imposto que compõe seu valor bruto).

A lei e a jurisprudência mandam incluir na base de cálculo do ICMS os acréscimos financeiros (juros) nas vendas a prazo. Todavia, não há lei que exija do contribuinte recolhimento de valor maior do que o do tributo devido. De igual modo, não há lei que autorize a Fazenda Pública a receber em qualquer operação tributada mais do que o valor do tributo ali devido. Ocorre, no entanto, que o valor financeiro sofre alterações para mais ou para menos, tudo a depender do momento em que deva ser pago. Essas alterações só deixarão de existir sob o regime de caixa, se o vencimento coincidir com o nascimento da obrigação que lhe dê origem. Isto é, nas operações à vista.

É certo que a lei desautoriza o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil). Há enriquecimento sem causa, sempre que o credor exija e receba pagamento antecipado do devedor, sem dar-lhe desconto pela antecipação do pagamento. O próprio Código de Defesa do Consumidor garante esse direito de desconto ou abatimento. Apesar disso, as Fazendas Estaduais insistem em tratar vendas a prazo como se fossem vendas à vista, na incidência do ICMS. Valendo-se da lei e da jurisprudência, como que a sustentarem que não haja determinação legal para distinguir entre si essas diferentes modalidades de venda, exigem do sujeito passivo da obrigação tributária o recolhimento do ICMS sem levar em conta, para fins de seu vencimento, o prazo de cada operação.

Como apontado acima, onde não haja valor recebido de operação sujeita ao ICMS, não há, ainda e também, receita tributária resultante da ocorrência do fato gerador da obrigação. Aufere, assim, a Fazenda Pública mais do que o valor do ICMS nas operações a prazo, pois se cinge ao fato gerador como se fosse o bastante para a exigibilidade do tributo, sabido que não poderá haver receita tributária a ser exigida do sujeito passivo nos impostos indiretos, enquanto não venha este a receber do contribuinte de fato o montante do imposto a ser transferido aos cofres públicos.

Nem se diga que o risco da operação seja apenas do sujeito passivo, sabido que vendas a prazo resultam – como fato notório – da própria concorrência e do próprio interesse do mercado consumidor.

Do quanto exposto, há de se convir que o equilíbrio da relação jurídica entre fisco e contribuinte, nas vendas a prazo impõe a necessidade de respeito ao regime de caixa.

O vencimento periódico da obrigação tributária no âmbito do ICMS e do IPI – impostos indiretos – há de ser sempre o do período subsequente ao do recebimento de cada duplicata das vendas a prazo, quando maior não seja. Tal como o é, nas vendas à vista.

Não pode a Fazenda Pública valer-se de omissão do próprio Poder Executivo, a quem, por decreto, compete fixar a data ou o período do vencimento de cada tributo. Nada impede que sobrevenha decreto estabelecendo que, nas vendas a prazo, o recebimento do valor de cada duplicata acarretará o dever de recolher aos cofres públicos, no período de vencimento seguinte, o montante do imposto contido, proporcionalmente, no valor de cada uma delas.

Se a venda é a prazo, a prazo deve ser também o recolhimento do imposto contido na sua base de cálculo.

De vez que a omissão da lei não constitui argumento para justificar o enriquecimento sem causa do Erário, faz jus o sujeito passivo da obrigação tributária, no âmbito dos impostos indiretos, de recompor em seus livros e registros fiscais, a cada mês, a perda financeira resultante do recolhimento do ICMS e do IPI, nas vendas a prazo, antes do recebimento das respectivas duplicatas. Essa perda financeira corresponde, na pior das hipóteses, à variação da SELIC entre a data do recolhimento do imposto e a data posterior em que venha a receber o valor de cada duplicata das vendas a prazo.

Se, como impõe a lei e a jurisprudência, os juros (acréscimo financeiro) compõem base de cálculo do ICMS, e assim, só se fazem presentes nas vendas a prazo, o recolhimento do ICMS nesses casos não pode deixar de respeitar os prazos da operação, pois a única maneira de dar tratamento equitativo a essas hipóteses é parcelando, também, o recolhimento do imposto.

Enquanto não sobrevenham as alterações nos prazos de recolhimento das vendas a prazo, cabe ao contribuinte (sujeito passivo da obrigação tributária) valer-se da via judicial na reivindicação de seus direitos.

Pode-se sustentar que a capacidade contributiva apresenta duas facetas distintas: a capacidade econômica e a capacidade financeira.

Nos impostos pessoais, se há de considerar a capacidade financeira do contribuinte (sujeito passivo da obrigação tributária).

Admite-se, aqui,  a imposição de alíquotas progressivas em função da base de cálculo do imposto. É o campo dos impostos pessoais.

Entretanto, ao invés de alíquotas progressivas, melhor seria a aplicação de alíquota única, eis que a justiça fiscal não pode desprezar o princípio constitucional da proporcionalidade. Enquanto este permite tributar sem discriminar, a imposição de alíquotas progressivas discrimina ao tributar.

Nos impostos reais, sobre bens de raiz ou com estes relacionados, mede-se a capacidade econômica do contribuinte com base no valor do(s) bem (bens) objeto(s) da tributação. Isso significa que igual patrimônio deve sujeitar-se a igual tributação.

Dessa maneira, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade não permitem, aí, a adoção da técnica da progressividade de alíquotas.

O patrimônio imobiliário de dois ou mais contribuintes, enquanto igual for, não haverá de sofrer tributação diferenciada.

Vejamos, aqui, o caso do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Incidindo o imposto sobre o imóvel urbano sem progressividade de alíquotas, nenhum tratamento discriminatório se fará presente. Todavia, a aplicação de alíquotas progressivas em razão do valor venal dos imóveis tem o efeito de quebrar a proporcionalidade da tributação entre contribuintes que tenham a mesma capacidade econômica, composta, entretanto, por unidades distintas de valor venal. Basta que um deles seja proprietário de um único imóvel urbano de, digamos, R$1.000.000,00 de valor venal, submetido, por isso mesmo, a alíquotas progressivas, para ser mais tributado do que outro contribuinte, com igual capacidade econômica, enquanto proprietário de dez imóveis no valor venal, cada de R$ 100.000,00.

Fica aqui evidente que a progressividade de alíquotas do IPTU fere os princípios constitucionais da proporcionalidade, da razoabilidade, além de ofender a capacidade contributiva específica dos contribuintes.

Emenda constitucional alguma tem força e validade para desconsiderar qualquer princípio constitucional. Nos princípios se assenta a própria validade da Constituição, base que são da constitucionalidade sob um Estado Democrático de Direito.

Os princípios basilares da Constituição fazem parte integrante dela, como sobressai do artigo 5º. §2º da vigente Constituição Federal.

Princípios não são cláusulas, mas o próprio alicerce da Constituição. São mais do que qualquer cláusula, inclusive das denominadas cláusulas pétreas a que se refere o artigo 60 da Carta Federal de 1988.

Por isso mesmo, a Emenda Constitucional 29/2000, que autoriza a progressividade de alíquotas no âmbito do IPTU é manifestamente inconstitucional. Como inconstitucionais são as leis municipais instituindo alíquotas progressivas no âmbito do IPTU.

A questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das alíquotas progressivas ou das aliquotas diferenciadas do IPTU continua aberta para novos argumentos capazes de demonstrar seu descabimento.

Quem seja leigo em Direito Constitucional-Tributário considerará encerrada a questão em vista de  haver o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), mais ainda por unanimidade, proferido decisão contrária a uma empresa que questionava a Lei municipal nº 13.250/2001, da capital de São Paulo. Essa lei instituiu a cobrança progressiva do  Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) com base no valor venal do imóvel (valor de venda de um bem que leva em consideração a metragem, a localização, a destinação e o tipo de imóvel).

A decisão foi tomada ontem, 1º de dezembro, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 423768, interposto pelo município de São Paulo contra decisão do extinto 1º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo (TA/SP), que considerou inconstitucional a lei municipal em questão, contestada pela empresa Ifer Estamparia e Ferramentaria Ltda.

Alegações

No RE, a administração paulistana sustentou que a decisão do TA/SP ofende o artigo 156, parágrafo 1º, incisos I e II, da Constituição Federal, que admite a progressividade da alíquota. Argumentou, também, que a isonomia tributária e a necessidade da capacidade contributiva são requisitos indispensáveis na elaboração e aplicação de normas de direito tributário.

Afirmou, ainda, que entre as cláusulas pétreas da Constituição Federal (CF) não se inclui a vedação ao direito de se instituir imposto progressivo de natureza real (refere-se a um bem, e não a uma pessoa). Segundo o governo municipal, a cobrança diferenciada deu-se em razão do princípio da isonomia “pois se tributa desigualmente os que se acham em situação de desigualdade, atendendo-se ao princípio da capacidade contributiva”.

Julgamento

O RE começou a ser julgado em junho de 2006, quando o ministro Carlos Ayres Britto pediu vista do processo. Naquele momento, o relator, ministro Marco Aurélio, havia dado provimento ao recurso interposto pela prefeitura paulistana, sendo acompanhado pelos ministros Eros Grau (aposentado), Cármem Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence (aposentado). O ministro Ricardo Lewandowski declarou-se impedido de votar.

No julgamento desta quarta-feira, também o ministro José Antonio Dias Toffoli se declarou impedido, e os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello completaram a votação.

No seu voto proferido em 2006, ao dar razão à prefeitura, o ministro relator observou que a lei questionada foi editada em conformidade com o § 1º do artigo 156 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 29/2000. Anteriormente, conforme lembrou, o § 1º daquele artigo não fazia alusão ao valor do imóvel,  nem a sua localização ou uso.

Capacidade contributiva

Ao trazer a matéria de volta a Plenário, o ministro Ayres Britto acompanhou o voto do relator, sustentando também a constitucionalidade da progressividade do tributo. Segundo ele, a cobrança de tributos deve levar em conta o patrimônio, a renda e o volume de atividades econômicas das pessoas, conforme previsto no parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição Federal (CF), e aquelas com maior capacidade contributiva devem contribuir mais, para possibilitar ao Poder Público cumprir sua função social.

No caso, segundo o ministro Ayres Britto, trata-se de “justiça social imobiliária, com tratamento desigual para quem é imobiliariamente desigual”. Ou seja, deve pagar mais tributos aquele que tem mais bens imobiliários e maior capacidade contributiva, e a alíquota variável cumpre melhor essa função, se a base de cálculo do IPTU é o valor venal da propriedade.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a Emenda Constitucional nº 29  incluiu entre os parâmetros da cobrança do IPTU a garantia da função social do solo urbano, o valor do imóvel, sua localização e uso.

Fatos e argumentos que modificariam a decisão do STF

É sabido que o Tribunal julga as causas a partir dos fatos e fundamentos da ação. Desse modo, nem todos  fundamentos jurídicos podem ter sido suscitados no caso em questão.

Quando o Supremo nega provimento a um pleito em que se afirma a ofensa, na lei, a algum artigo da Constituição, não significa isso que a lei em questão seja constitucional, mas que, no ponto suscitado, a Constituição não foi ofendida.

No caso ora em exame, a lei paulistana nada tem de isonômica, pois resulta em tratar desigualmente contribuintes que sejam titulares de imóveis urbanos. Basta comparar o patrimônio imobiliário de dois distintos proprietários.  No exemplo seguinte, isso fica bem claro, a evidenciar tributação com efeito de confisco e quebra do princípio constitucional da proporcionalidade e da isonomia: João e Pedro são, individualmente, proprietários de imóveis urbanos, cujos valores venais, no total, somam R$ 1.000.000,00. Se ambos forem proprietários, individualmente, de 10 imóveis de R$ 100.000,00 cada um, ambos serão tratados e tributados  igualmente pela lei municipal, pois serão submetidos à mesma alíquota de IPTU. Não haverá distorção.  Todavia, se João tiver na sua propriedade imobiliária urbana um só imóvel no valor venal de R$ 1.000.000,00, ficará ele submetido a uma alíquota progressiva e, assim, majorada. Se a alíquota for o dobro da alíquota aplicável aos imóveis de R$ 100.000,00 de valor venal, João estará pagando o dobro do que pagaria Pedro sobre os seus dez imóveis de R$ 100.000,00 cada um. A situação de João será ainda mais grave, se esse seu único imóvel for o de sua residência, pois nem mesmo terá oportunidade de receber aluguel de uma locação inexistente. Já, Pedro poderia, até mesmo, estar residindo em um de seus dez imóveis, enquanto receba aluguéis dos demais.

O Supremo Tribunal Federal, nesse caso,  nem mesmo se pronunciou sobre a quebra do princípio constitucional da proporcionalidade, como fator impeditivo à progressividade de alíquotas do IPTU.

Ademais, a alegada “justiça social imobiliária”, conforme expressão cunhada pelo ministro Ayres Britto, nada tem de social e muito menos de justiça, pois se se devesse levar em conta “o patrimônio”  do contribuinte, esse patrimônio, no caso, seria o patrimônio imobiliário de cada proprietário em um dado município em que a tributação do IPTU ocorra. Como “patrimônio imobiliário” , essa expressão revela o conjunto de imóveis de um mesmo proprietário, e, por ser o IPTU municipal,  haveria de compreender todos os imóveis desse mesmo contribuinte dentro de um mesmo município, cujos valores venais, na somatória, jamais haveriam de ser desproporcionais quando comparados com os de outros contribuintes no mesmo município. Daí a falácia da argumentação do Município de São Paulo, ao afirmar que “a cobrança diferenciada deu-se em razão do princípio da isonomia ‘pois se tributa desigualmente os que se acham em situação de desigualdade, atendendo-se ao princípio da capacidade contributiva’.’’

Alíquotas progressivas do  IPTU, a despeito da decisão do Plenário do Supremo, ofendem o princípio constitucional da proporcionalidade, que não pode ser menosprezado por uma simples técnica de tributação (a progressividade) inaplicável no âmbito de um imposto de natureza real, como o IPTU. Ofendem, assim, também, o princípio constitucional da isonomia, por submeter igual patrimônio imobiliário urbano a distintos encargos tributários.

A vedação ao direito de se instituir imposto progressivo de natureza real – ao contrário do que alega a Municipalidade de São Paulo – é amparada no princípio constitucional da proporcionalidade, na proibição do emprego de tributo com efeito de confisco. Princípio constitucional, por princípio ser, não é cláusula da Constituição, mas base da própria constitucionalidade. O princípio é, assim, elemento basilar. É mais do que uma cláusula, mais do que uma cláusula pétrea. Sem o princípio, não há Constituição que respeite os Direitos do Homem, entre os quais se inclui o de uma tributação justa, sem iniqüidades.

De igual modo, o Supremo, nesse caso, não levou em conta o fato de que o IPTU, como imposto de natureza real, tem como base de cálculo o valor venal do imóvel urbano, para o que é irrelevante a destinação a ele a ser dada.

Tributar mais gravosamente um imóvel em função de sua destinação é punir a atividade lícita que nele seja exercida. Tributado é de ser o imóvel e não, sua destinação, pois o IPTU não tem como fato gerador da obrigação tributária a destinação a ser dada ao imóvel.

Quanto à Emenda Constitucional nº 29, nem se diga que entre os parâmetros da cobrança do IPTU esteja “a garantia da função social do solo urbano”, a permitir alíquotas progressivas, pois o imóvel é tributado pelo seu valor venal pura e simplesmente, sendo a consideração da função social aspecto extrafiscal que, quando muito, poderia ensejar IPTU progressivo no tempo.

Assim a progressividade de alíquotas do IPTU (que consideramos inconstitucional, apesar dessa decisão do Plenário do Supremo), é algo distinto do IPTU progressivo no tempo, admitido pela Constituição no contexto do planejamento urbano do município. O IPTU progressivo é sanção por descumprimento da função social da propriedade. Já a progressividade de alíquotas, uma perseguição ao patrimônio do proprietário urbano, como que a punir quem esteja, aparentemente, melhor aquinhoado. Mas, como mostrado no exemplo acima, quebra o equilíbrio tributário entre os contribuintes.

Em suma, somente o Supremo Tribunal Federal pode modificar suas próprias decisões. Mas nunca fará isso “sponte propria”, se não vier a ser provocado em novas ações com base em argumentos não ainda submetidos à sua apreciação. Evidentemente, será preciso vencer as barreiras processuais para se chegar até lá.

Sobre o tema, leia-se nesta mesma seção deste “site”, o artigo “Capacidade Contributiva e Proporcionalidade”.

Você que adquiriu imóvel na planta pode ter pago mais do que o devido e, ainda, ter o direito de receber em dobro o quanto pagou indevidamente.

Para saber se sua situação se enquadra nos casos em que esse ressarcimento é devido pelo vendedor (proprietário do empreendimento imobiliário), é preciso uma análise de seu contrato com ele.

É sabido que muitos desses contratos exigiam o pagamento de juros ao promitente-vendedor, antes mesmo de concluída a obra e entregue as chaves ao compromissário-comprador.

 Apesar de essa exigência de juros contra o compromissário-comprador  sobre o próprio capital por ele empregado no pagamento das parcelas anteriores ao recebimento das chaves do imóvel ser, hoje, pouco contemplada nos atuais contratos, o fato é que costumava ser praxe no procedimento de muitas construtoras e incorporadoras.

Ocorre, entretanto, que o pagamento indevido pode ser ainda reclamado por meio de pedido de restituição em dobro e por valor atualizado.

Para isso, é necessário verificar, em cada caso, se o prazo prescricional ainda está em curso. Se expirado o prazo, a pretensão de recebimento não terá acolhimento judicial.

Se seu contrato ainda está em vigor, sem quitação do preço total da aquisição do imóvel, por faltarem ainda prestações a serem pagas à construtora ou incorporadora, nesse caso a prescrição não terá ainda ocorrido.

 O direito à recuperação em dobro já tem o amparo de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 

As empresas e outros empregadores têm o direito de não recolher a contribuição patronal ao INSS sobre o valor do vale-transporte pago em dinheiro a seus empregados.

Esse direito já é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal desde 14 de maio do corrente ano de 2010, quando foi publicado no Diário Oficial o resultado do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 478.410/SP.

Como precedente judicial, que decide de vez a questão em instância final, fica aberto o caminho para todas as empresas e empregadores se eximirem dessa exigência até então imposta pelo INSS.

Já que a decisão final do Supremo ocorreu no âmbito de um pedido formulado individualmente, e não no contexto de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), seu efeito prático e jurídico fica limitado às partes em litígio.

Isso significa que as demais empresas e outros empregadores terão de buscar seu próprio direito junto ao Poder Judiciário, na esteira desse precedente judicial, o que pode ser feito por meio de ação declaratória ou mesmo por mandado de segurança.

Um benefício prático para essas empresas e outros empregadores se traduz na possibilidade de recuperarem, via precatório ou por meio de compensação tributária, com atualização pela taxa SELIC, os valores recolhidos nos últimos cinco anos ao INSS, correspondentes aos pagamentos da quota patronal sobre o vale-transporte pago em dinheiro.

Outro benefício está no reconhecimento judicial de que não mais terão de fazer esses recolhimentos, já que o vale-transporte pago em dinheiro tem caráter indenizatório, não podendo ser confundido com salário ou remuneração.

Importante destacar que, a cada mês transcorrido, perde-se um mês na recuperação dos pagamentos indevidos do passado. Isso é consequência da fluência do prazo de prescrição.

Plínio Gustavo Prado Garcia

A Constituição Federal de 1988 reafirmou no artigo 156 a competência dos Municípios para instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

No contexto da política urbana e das exigências fundamentais de ordenamento da cidade, determinou a adoção de um plano diretor, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes.

Facultou ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento. A pena por descumprimento da exigência se inicia com a obrigatoriedade de o proprietário promover o parcelamento ou a edificação no terreno urbano. Não atendida a exigência, fica o proprietário sujeito à incidência do IPTU progressivo no tempo e, por fim, a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Como se vê, o descumprimento da função social da propriedade territorial desencadeia uma série de sanções contra o proprietário.

Todavia, como a espécie tributária denominada imposto não constitui sanção por ato ou omissão do sujeito passivo, fica evidente que a pena consistente em IPTU progressivo no tempo é adjeta ao imposto, como sanção extrafiscal. Mas por ser progressiva no tempo e como o IPTU é imposto de incidência anual, essa pena pecuniária não pode ser tratada senão como um percentual crescente, a cada ano, computado sobre o montante do imposto apurado sobre o valor venal do terreno urbano tributado pelo IPTU.

Todavia, se para a exigibilidade do IPTU basta a notificação do lançamento enviada ao sujeito passivo da obrigação tributária, não será possível agravar automaticamente o valor do IPTU, a ele acrescentando pena pecuniária relacionada com suposto descumprimento da função social da propriedade.

É requisito constitucional e legal que ninguém seja compelido a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, sem prévia lei. Fazer ou deixar de fazer, no contexto da função social da propriedade é algo que não prescinde da prévia notificação do suposto infrator. Essa prévia notificação deve indicar no que consistiria a alegada infração, de modo a garantir ao notificado o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Isso significa que são inválidas e inconstitucionais as disposições de lei municipal que imponham, automaticamente, junto com o valor do IPTU valor adicional lançado a título de pena por não cumprimento da função social da propriedade.

Fica, aqui, evidente que a progressividade do IPTU é instrumento político de caráter parafiscal. Não se confunde com o próprio lançamento desse imposto. É um “plus” que se lhe acrescenta, sem que esteja relacionado com o fato jurídico ensejador do próprio lançamento desse imposto municipal anual.

Diferentemente do IPTU progressivo no tempo, defendem os Municípios, com intuito meramente arrecadatório, a imposição de alíquotas progressivas desse imposto, levando-se em conta o tamanho de sua base de cálculo. Isto é, as alíquotas crescem à medida que cresce, também, o valor venal do imóvel. Isto é, o valor venal do terreno, se não edificado, e o valor venal do terreno com edificação, quando existente esta.

Os defensores da progressividade de alíquotas do IPTU costumam falar em justiça fiscal para exigir maior extração pecuniária daquele que seja proprietário de imóveis de maiores valores venais.

Alegam suposta necessidade de igualdade de tratamento, como que a tributar mais, quem mais tenha, e menos, quem menos tenha.

Para superarem a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal contrária às leis municipais instituidoras da progressividade de alíquotas do IPTU, prefeitos municipais interessados em maior arrecadação e políticos com visão ideológica avessa ao direito  de propriedade fizeram alterar a Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional 29, de 2000.

Por força dessa Emenda à Constituição, veio a ser introduzido no artigo 156 da Carta Federal um §1º, cujo inciso I permite seja o IPTU progressivo em razão do valor do imóvel, ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

Temos sustentado que essa Emenda à Constituição padece de nulidade material, de vez que apenas constitucionaliza uma inconstitucionalidade, pois o IPTU é imposto de natureza estritamente real, não pessoal.

Exatamente por esse fato, mas não apenas por esse fato, não é difícil constatar os motivos pelos quais o IPTU não pode ter caráter progressivo, fora do contexto da função social da propriedade urbana. Ou seja, fora do contexto parafiscal do tributo.

A alegada justiça fiscal aplicada ao IPTU conduz, isto sim, à discriminação entre contribuintes em situações econômicas iguais. Basta ver que a progressividade fiscal do IPTU por meio de alíquotas progressivas ofende o princípio constitucional da proporcionadade, inerente ao devido processo legal no seu contexto material.

Não é justo impor a um proprietário de um único imóvel urbano no valor venal, digamos, de R$ 1.000.000,00 alíquota de IPTU de 2%, e impor a um proprietário de dez imóveis no valor venal cada, digamos, de R$ 100.000,00 alíquota de 1%. Como se vê, sendo ambos detentores de um patrimônio imobiliário de R$ 1.000.000,00, estarão, assim, sendo tratados diferenciadamente pela incidência do IPTU com alíquotas progressivas.

Ora, repita-se, o IPTU, por ser um imposto real, que recai sobre a coisa tributada, não pode servir de instrumento arrecadatório ofensivo à proporcionalidade e à capacidade econômica e contributiva de seus sujeitos passivos.

Por ser um imposto real, tributado pelo IPTU deve ser o imóvel urbano pelo seu valor venal e por alíquota única e fixa. No assim ser, não se discrimina entre os contribuintes. Não se ofende sua capacidade contributiva. Não se instituem privilégios. Respeita-se a proporcionalidade, princípio constitucional que permite tributar sem discriminar, enquanto o critério da proporcionalidade discrimina ao tributar.

Quando defendo a aplicação de alíquota única para o IPTU, não afasto a possibilidade de haver isenções e limites de isenção para esse imposto, levando-se em conta imóveis destinados a moradias populares.

O que não pode haver é a imposição de alíquotas progressivas ou seu disfarce mediante a utilização de esquemas em que a lei estabelece uma alíquota fixa elevada e “concede” descontos tanto maiores quanto menores forem os valores venais dos imóveis urbanos tributados. Isso será progressividade de alíquotas, na realidade, ainda que possa assim não parecer.

Considerando, ainda que o IPTU é imposto de competência municipal, não faz sentido ter alíquotas diferentes de acordo com a localização do imóvel. Ora, todo imóvel a ser tributado pelo IPTU está dentro do Município correspondente.  Da mesma maneira, é descabida a autorização dada pela EC 29/2000 ao Município para impor alíquotas diferentes de IPTU em razão do uso dado ao imóvel.

Se, de um lado, é possível conceder isenções ou descontos a imóveis residenciais, tomando-se como base a existência de alíquota única de IPTU, de outra parte não se justifica punir qualquer atividade econômica que exija o uso de imóvel urbano pela imposição de alíquotas diferentes de IPTU. A atividade econômica é inerente ao convívio social e há de ser exercida a partir de um ponto fixo, qual seja, o estabelecimento empresarial que, necessariamente, estará situado no âmbito de um Município.

Assim, também nesse particular, o IPTU não pode ser empregado como instrumento de discriminação entre contribuintes que se encontrem em igualdade de situação, mais ainda quando esse imposto incide sobre o imóvel urbano e não sobre a atividade nele exercida ou o uso a ele dado.

Em suma, não se pode constitucionalizar uma inconstitucionalidade, mesmo que isso se pretenda ou seja feito por meio de Emenda à Constituição.

A Emenda Constitucional 29/2000 é, portanto, materialmente inconstitucional. O inciso §1 do artigo 156 da Constituição Federal, ali introduzido por essa Emenda 29, amplia a hipótese material de incidência do IPTU, contida no “caput” desse mesmo artigo. O que é vedado por Lei Complementar à Constituição.

Logo, o IPTU continua sendo imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, para o que basta a aplicação de alíquota única sobre o valor venal do imóvel (sua base de cálculo), com respeito, assim, ao princípio constitucional da proporcionalidade, que não pode ser contrariado por meio de alíquotas progressivas. E continua sendo imposto real, em que se faz irrelevante o uso a ele dado, pois tributado é o imóvel e não o uso que dele se faça.

É comum a confusão entre decadência e caducidade, como se um fosse sinônimo do outro.
Quem pesquisa a doutrina e a jurisprudência sempre se deparará com os institutos jurídicos da decadência e da prescrição.
Nenhuma referência há a caducidade, como instituto próprio e distinto da decadência.
Tenho sustentado não serem a mesma coisa. Assim, caducidade não é sinônimo de decadência.
A relevância dessa distinção tem explicação e aplicação prática. Isso porque enquanto a prescrição pode ser suspensa, a caducidade pode ter curso próprio e simultâneo.
Se o lançamento tributário ocorrer no prazo legal, dir-se-á não ter sido atingido pela decadência. Caso contrário, o lançamento será nulo e o crédito tributário restará extinto. Se feito no prazo legal, ficará a depender de regular notificação do sujeito passivo. Se este valer-se de seu direito de impugná-lo, sobrevirá a suspensão do prazo prescricional.
Suspenso, portanto, o curso da prescrição, começa a correr enquanto isso, isto sim, o prazo de caducidade. Não poderia isso ser diferente porque se o fosse ficaria o Fisco, por assim dizer, sem qualquer limitação de tempo para decidir as impugnações e os recursos do sujeito passivo.
Pondere-se que a caducidade se distingue da decadência extamente porque só caduca o que haja nascido. Por outro lado, na decadência o direito nem mesmo chega a nascer.
Já escrevi sobre o tema em artigo sob o título “Perda da Eficácia do Lançamento Tributário”, publicado na Revista Dialética de Direito Tributário. Ali, então, não havia ainda feito referência ao termo “caducidade” como algo distinto de decadência. Mas ficou implícito no meu raciocínio.
Portanto, o efeito da caducidade é a perda de eficácia do lançamento tributário por falta de tempestiva decisão administrativa das impugnações e recursos do sujeito passivo.
Esse meu raciocínio veio, posteriormente, a ser reforçado pela Emenda Constitucional 45, que fez acrescer ao artigo 5 da Constituição Federal o seu último inciso dispondo sobre a necessidade de razoável duração do processo administrativo tanto quanto do processo judicial.
Essa distinção entre decadência e caducidade nos tem permitido fortalecer a defesa dos contribuintes nos processos administrativos e nas execuções judiciais em matéria tributária, trazendo como consequência a inexigibilidade do crédito tributário em questão.

A Comissão Européia adotou uma proposta para um estatuto da Empresa Privada Européia (também conhecido como “Societas Privata Europaea” – SPE).
A Empresa Privada Européia é um tipo de sociedade de responsabilidade limitada desenvolvida para pequenas e médias empresas e tem como objetivo aumentar a competitividade destas empresas através de medidas que visam facilitar a sua abertura e o funcionamento no mercado europeu. Com estas medidas, a Comissão Européia quer facilitar o acesso ao mercado comunitário e incentivar a internacionalização destas empresas. As pequenas e médias empresas (chamadas PME) constituem 99% de empresas na União Européia e são caracterizadas por um volume de negócios anual de no máximo 50 Mio. EUR e até 250 funcionários.
A proposta contém um conjunto de normas legais uniformes que se aplicariam a qualquer SPE em todos os Estados-Membros. Deste modo, permitirá aos empresários abrir e gerenciar uma SPE de acordo com as mesmas regras simples e flexíveis em todos os Estados-Membros. Assim, uma SPE pode ser aberta em vez de uma “GmbH” na Alemanha ou uma “SAS” ou “SARL” na França.
Estas vantagens tornarão mais fáceis o estabelecimento de micro e pequenas empresas em toda a União Européia. Permitir-lhes-á poupar tempo e reduzir custos, especialmente custos legais relacionados com o estabelecimento e a administração de diferentes modelos de empresas em diferentes Estados-Membros.
Atualmente, empresas que querem atuar em diversos estados-membros da UE precisam abrir uma filial em cada um deles de acordo com as leis societários deste país.
A proposta do estatuto prevê regras sobre a abertura da SPE, o conteúdo mínimo do contrato social, sobre aumento e redução do capital bem como a cessão de quotas, a representação da empresa perante terceiros e a responsabilidade, exclusão de sócios e transferência da sede. No entanto não conterá regulamentos de assuntos trabalhistas, tributários e de falência.
O estatuto foi proposto e deve ser aprovado na forma legal de um regulamento. Trata-se de ato do direito comunitário que é diretamente aplicável, ou seja, as suas disposições têm efeito jurídico imediato em todos os Estados-Membros da mesma forma que uma lei nacional sem a intervenção das autoridades nacionais. A SPE é prevista para entrar em vigor em 2010.

A exigência de apresentação de Certidões Negativas de Débitos (CND) junto ao fisco para a prática de atos da vida civil e no campo econômico é um atentado à livre iniciativa e ao Estado Democrático de Direito.

Estabelece o Código Tributário Nacional no art. 205: “A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.”

Para que não se afirme ser inconstitucional o disposto nesse artigo, será necessário dar-lhe uma interpretação ajustada às garantias constitucionais das pessoas físicas e jurídicas, segundo o que, em direito, se denomina interpretação conforme à Constituição.

Isso significa que se um dispositivo de lei puder ser interpretado de maneira condizente com a Constituição Federal, é essa interpretação, e não outra a ela contrária, que deverá ser acolhida.

Nesse contexto, é possível interpretar-se o artigo 205 do CTN não como um meio de o fisco restringir as atividades dos contribuintes ou cercear-lhe a livre iniciativa. Caso contrário, estaria o fisco se valendo de uma via coercitiva, uma sanção política, para induzir o contribuinte a pagar tributos, a ser pontual, a não discutir abusos da tributação, quando ao fisco só cabe agir no estrito cumprimento da lei, facultado ao contribuinte discutir até mesmo a plausibilidade ou constitucionalidade da lei ou de qualquer de seus dispositivos.

Numa interpretação conforme à Constituição, do artigo 205 do CTN, diríamos ser válida a exigência de CND em negócios jurídicos, quando uma das partes queira assegurar-se de que a outra não tenha pendências tributárias ou fiscais. Como, por exemplo, na aquisição de qualquer bem, principalmente de um bem imóvel.

Diversa é a situação em que, para dar baixa no Registro de Pessoas Jurídicas ou Registro do Comércio, de uma sociedade, se exija a apresentação de CND como condição para o arquivamento do distrato social ou de qualquer outro ato societário a ser objeto de registro em registro público.

\Esse tipo de exigência equivaleria a negar-se o sepultamento de uma pessoa, ao argumento de que isso só seria possível depois que viesse a ser apresentada ao Registro Civil de Pessoas Naturais a certidão negativa de débitos do “de cujus”.Sobre o assunto, já tivermos oportunidade de nos manifestar em diversas ocasiões, como pode ser lido no “site” de Prado Garcia Advogados www.pradogarcia.com.br, na Comissão de Defesa da República e da Democracia, da OAB/SP,  e em outros veículos da imprensa.

Outro tipo de entrave que muito afeta a vida das empresas é a exigência de apresentação de CND para a participação em concorrências públicas. Esse vício ainda persiste, inobstante tenha o Plenário do Supremo Tribunal Federal, neste mês de setembro de 2008, decidido que está revogado pela Lei nº  8.666, de 1993 (Lei de Licitações), o dispostivo da Lei nº 7.711, que autorizava essa prática.

Todavia, se a Lei nº 7.711 exigia a apresentação de comprovantes da quitação de tributos para a participação em licitações, a Lei nº 8.666/93 não o faz. Ela se refere à necessidade de comprovação de regularidade fiscal, vale dizer, da apresentação de prova de que a pessoa jurídica se acha devidamente constituída e regularmente existente.

Ora, devidamente constituída é uma pessoa jurídica que tem seus atos constitutivos arquivados no Registro do Comércio ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Regularmente existente é a pessoa jurídica que se acha devidamente representada, nos termos da lei e dos atos societários, e tenha endereço certo, ainda que se mantenha dormente ou em fase inicial de atividades. Não é irregular, assim, uma pessoa jurídica que, independentemente do motivo, se encontre paralizada, pois paralização não se confunde com extinção. Mesmo porque, paralizada, poderá voltar à atividade.O que não ocorre com a pessoa jurídica extinta.

Logo, regularidade fiscal é algo distinto, portanto, de regularide tributária. Pois enquanto esta diz respeito à inexistência de débitos vencidos e não pagos ao erário, aquela se refere à prova de que a pessoa jurídica tenha seu registro como tal junto às competentes repartições federais, estaduais e municipais, assim como do Distrito Federal, e que cumpre as obrigações tributárias acessórias, como, por exemplo, a apresentação de DCTF ou outras informações necessárias para que o fisco tenha condições de promover o lançamento tributário ou saber se há ou não débito pendente..Em outras palavras, é fiscalmente irregular a pessoa jurídica ainda sem inscrição junto à Receita Federal do Brasil, no âmbito federal, ou sem as respectivas inscrições nos demais entes federados. Mas não é fiscalmente irregular aquela que, mesmo estando em débito com o erário, vem cumprindo regularmente as obrigações acessórias para a determinação de eventual tributo a ser lançado ou cobrado.

A Lei de Licitações e a CRF

Ainda que o artigo 205 do CTN, recepcionado como norma complementar à Constituição Federal, preveja a possibilidade de lei exigindo prova de quitação de determinado tributo, na verdade ela outorga ao contribuinte um direito de obtenção dessa prova junto ao fisco, por meio da expedição de CND. Coisa diversa consiste em analisar se o dispositivo de lei que, amparado no artigo 205 do CTN, constitui ou não sanção política objetivando, por meio indireto, a coagir o sujeito passivo da obrigação tributária à quitação de tributos. Se, para tanto, a lei impede o contribuinte de praticar ato da vida civil porque o submeta à prévia apresentação de CND, essa lei ou esse dispositivo de lei padecerá de inconstitucionalidade.

Em suma, a Lei de Licitações não exige prova de inexistência de débitos vencidos e não pagos ao erário (prova de regularidade tributária). Exige prova de regularidade fiscal. A regularidade fiscal pode ser provada sem necessidade de CND. A apresentação dos comprovantes de inscrição da pessoa jurídica no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), da entrega das DCTF e de demais declarações fiscais aos órgãos competentes preenche, por si só, esse requisito de regularidade fiscal. Ademais, o contribuinte tem todo o direito de requerer à repartição fiscal a expedição de certidão de que conste estar em dia com essas obrigações acessórias. Essa Certidão de Regularidade Fiscal (CRF) será, portanto, algo distinto, da Certidão Negativa de Débitos (CND). Esta é contemplada no Código Tributário Nacional, enquanto aquela, resulta diretamente do disposto no artigo 5º, incisos XXXIIII e XXXIV, “b” da Constituição Federal, como um direito do cidadão ou de sua empresa.

O julgamento no STF

No referido julgamento em sessão plenária e por decisão unânime, os ministros do Supremo entenderam que a exigência de CNDs das empresas é uma espécie de sanção políticaEssa decisão veio no âmbito de duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) propostas em 1990 pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI),

Nas palavra do relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, “as normas impugnadas operam inequivocamente como sanções políticas”. Historicamente, segundo o ministro, o Supremo afasta a possibilidade de o Estado impor esse tipo de sanção ao contribuinte como forma de coagi-lo a quitar débitos fiscais. Por sua vez, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito afirmou que “é necessário fazer uma repressão imediata e dura com relação a esse tipo de exigência, porque o contribuinte fica completamente descoberto”.

Por unanimidade, os ministros entenderam que a apresentação de CND por parte dos contribuintes que quisessem se mudar para o exterior, registrar ou alterar contratos, bem como registrar contratos em cartórios, não é mais necessária.

Conclusão

É direito de todos, enquanto dotados de capacidade civil, exercer atividades econômicas e praticar atos não vedados em lei. Ao fisco só cabe o poder-dever de cobrar tributo devido e não pago. Para isso dispõe dos meios legais pertinentes. Entre eles não se inclui a coerção ou o emprego de meios indiretos que constituam cerceamento da livre iniciativa.

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