A questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das alíquotas progressivas ou das aliquotas diferenciadas do IPTU continua aberta para novos argumentos capazes de demonstrar seu descabimento.

Quem seja leigo em Direito Constitucional-Tributário considerará encerrada a questão em vista de  haver o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), mais ainda por unanimidade, proferido decisão contrária a uma empresa que questionava a Lei municipal nº 13.250/2001, da capital de São Paulo. Essa lei instituiu a cobrança progressiva do  Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) com base no valor venal do imóvel (valor de venda de um bem que leva em consideração a metragem, a localização, a destinação e o tipo de imóvel).

A decisão foi tomada ontem, 1º de dezembro, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 423768, interposto pelo município de São Paulo contra decisão do extinto 1º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo (TA/SP), que considerou inconstitucional a lei municipal em questão, contestada pela empresa Ifer Estamparia e Ferramentaria Ltda.

Alegações

No RE, a administração paulistana sustentou que a decisão do TA/SP ofende o artigo 156, parágrafo 1º, incisos I e II, da Constituição Federal, que admite a progressividade da alíquota. Argumentou, também, que a isonomia tributária e a necessidade da capacidade contributiva são requisitos indispensáveis na elaboração e aplicação de normas de direito tributário.

Afirmou, ainda, que entre as cláusulas pétreas da Constituição Federal (CF) não se inclui a vedação ao direito de se instituir imposto progressivo de natureza real (refere-se a um bem, e não a uma pessoa). Segundo o governo municipal, a cobrança diferenciada deu-se em razão do princípio da isonomia “pois se tributa desigualmente os que se acham em situação de desigualdade, atendendo-se ao princípio da capacidade contributiva”.

Julgamento

O RE começou a ser julgado em junho de 2006, quando o ministro Carlos Ayres Britto pediu vista do processo. Naquele momento, o relator, ministro Marco Aurélio, havia dado provimento ao recurso interposto pela prefeitura paulistana, sendo acompanhado pelos ministros Eros Grau (aposentado), Cármem Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence (aposentado). O ministro Ricardo Lewandowski declarou-se impedido de votar.

No julgamento desta quarta-feira, também o ministro José Antonio Dias Toffoli se declarou impedido, e os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello completaram a votação.

No seu voto proferido em 2006, ao dar razão à prefeitura, o ministro relator observou que a lei questionada foi editada em conformidade com o § 1º do artigo 156 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 29/2000. Anteriormente, conforme lembrou, o § 1º daquele artigo não fazia alusão ao valor do imóvel,  nem a sua localização ou uso.

Capacidade contributiva

Ao trazer a matéria de volta a Plenário, o ministro Ayres Britto acompanhou o voto do relator, sustentando também a constitucionalidade da progressividade do tributo. Segundo ele, a cobrança de tributos deve levar em conta o patrimônio, a renda e o volume de atividades econômicas das pessoas, conforme previsto no parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição Federal (CF), e aquelas com maior capacidade contributiva devem contribuir mais, para possibilitar ao Poder Público cumprir sua função social.

No caso, segundo o ministro Ayres Britto, trata-se de “justiça social imobiliária, com tratamento desigual para quem é imobiliariamente desigual”. Ou seja, deve pagar mais tributos aquele que tem mais bens imobiliários e maior capacidade contributiva, e a alíquota variável cumpre melhor essa função, se a base de cálculo do IPTU é o valor venal da propriedade.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a Emenda Constitucional nº 29  incluiu entre os parâmetros da cobrança do IPTU a garantia da função social do solo urbano, o valor do imóvel, sua localização e uso.

Fatos e argumentos que modificariam a decisão do STF

É sabido que o Tribunal julga as causas a partir dos fatos e fundamentos da ação. Desse modo, nem todos  fundamentos jurídicos podem ter sido suscitados no caso em questão.

Quando o Supremo nega provimento a um pleito em que se afirma a ofensa, na lei, a algum artigo da Constituição, não significa isso que a lei em questão seja constitucional, mas que, no ponto suscitado, a Constituição não foi ofendida.

No caso ora em exame, a lei paulistana nada tem de isonômica, pois resulta em tratar desigualmente contribuintes que sejam titulares de imóveis urbanos. Basta comparar o patrimônio imobiliário de dois distintos proprietários.  No exemplo seguinte, isso fica bem claro, a evidenciar tributação com efeito de confisco e quebra do princípio constitucional da proporcionalidade e da isonomia: João e Pedro são, individualmente, proprietários de imóveis urbanos, cujos valores venais, no total, somam R$ 1.000.000,00. Se ambos forem proprietários, individualmente, de 10 imóveis de R$ 100.000,00 cada um, ambos serão tratados e tributados  igualmente pela lei municipal, pois serão submetidos à mesma alíquota de IPTU. Não haverá distorção.  Todavia, se João tiver na sua propriedade imobiliária urbana um só imóvel no valor venal de R$ 1.000.000,00, ficará ele submetido a uma alíquota progressiva e, assim, majorada. Se a alíquota for o dobro da alíquota aplicável aos imóveis de R$ 100.000,00 de valor venal, João estará pagando o dobro do que pagaria Pedro sobre os seus dez imóveis de R$ 100.000,00 cada um. A situação de João será ainda mais grave, se esse seu único imóvel for o de sua residência, pois nem mesmo terá oportunidade de receber aluguel de uma locação inexistente. Já, Pedro poderia, até mesmo, estar residindo em um de seus dez imóveis, enquanto receba aluguéis dos demais.

O Supremo Tribunal Federal, nesse caso,  nem mesmo se pronunciou sobre a quebra do princípio constitucional da proporcionalidade, como fator impeditivo à progressividade de alíquotas do IPTU.

Ademais, a alegada “justiça social imobiliária”, conforme expressão cunhada pelo ministro Ayres Britto, nada tem de social e muito menos de justiça, pois se se devesse levar em conta “o patrimônio”  do contribuinte, esse patrimônio, no caso, seria o patrimônio imobiliário de cada proprietário em um dado município em que a tributação do IPTU ocorra. Como “patrimônio imobiliário” , essa expressão revela o conjunto de imóveis de um mesmo proprietário, e, por ser o IPTU municipal,  haveria de compreender todos os imóveis desse mesmo contribuinte dentro de um mesmo município, cujos valores venais, na somatória, jamais haveriam de ser desproporcionais quando comparados com os de outros contribuintes no mesmo município. Daí a falácia da argumentação do Município de São Paulo, ao afirmar que “a cobrança diferenciada deu-se em razão do princípio da isonomia ‘pois se tributa desigualmente os que se acham em situação de desigualdade, atendendo-se ao princípio da capacidade contributiva’.’’

Alíquotas progressivas do  IPTU, a despeito da decisão do Plenário do Supremo, ofendem o princípio constitucional da proporcionalidade, que não pode ser menosprezado por uma simples técnica de tributação (a progressividade) inaplicável no âmbito de um imposto de natureza real, como o IPTU. Ofendem, assim, também, o princípio constitucional da isonomia, por submeter igual patrimônio imobiliário urbano a distintos encargos tributários.

A vedação ao direito de se instituir imposto progressivo de natureza real – ao contrário do que alega a Municipalidade de São Paulo – é amparada no princípio constitucional da proporcionalidade, na proibição do emprego de tributo com efeito de confisco. Princípio constitucional, por princípio ser, não é cláusula da Constituição, mas base da própria constitucionalidade. O princípio é, assim, elemento basilar. É mais do que uma cláusula, mais do que uma cláusula pétrea. Sem o princípio, não há Constituição que respeite os Direitos do Homem, entre os quais se inclui o de uma tributação justa, sem iniqüidades.

De igual modo, o Supremo, nesse caso, não levou em conta o fato de que o IPTU, como imposto de natureza real, tem como base de cálculo o valor venal do imóvel urbano, para o que é irrelevante a destinação a ele a ser dada.

Tributar mais gravosamente um imóvel em função de sua destinação é punir a atividade lícita que nele seja exercida. Tributado é de ser o imóvel e não, sua destinação, pois o IPTU não tem como fato gerador da obrigação tributária a destinação a ser dada ao imóvel.

Quanto à Emenda Constitucional nº 29, nem se diga que entre os parâmetros da cobrança do IPTU esteja “a garantia da função social do solo urbano”, a permitir alíquotas progressivas, pois o imóvel é tributado pelo seu valor venal pura e simplesmente, sendo a consideração da função social aspecto extrafiscal que, quando muito, poderia ensejar IPTU progressivo no tempo.

Assim a progressividade de alíquotas do IPTU (que consideramos inconstitucional, apesar dessa decisão do Plenário do Supremo), é algo distinto do IPTU progressivo no tempo, admitido pela Constituição no contexto do planejamento urbano do município. O IPTU progressivo é sanção por descumprimento da função social da propriedade. Já a progressividade de alíquotas, uma perseguição ao patrimônio do proprietário urbano, como que a punir quem esteja, aparentemente, melhor aquinhoado. Mas, como mostrado no exemplo acima, quebra o equilíbrio tributário entre os contribuintes.

Em suma, somente o Supremo Tribunal Federal pode modificar suas próprias decisões. Mas nunca fará isso “sponte propria”, se não vier a ser provocado em novas ações com base em argumentos não ainda submetidos à sua apreciação. Evidentemente, será preciso vencer as barreiras processuais para se chegar até lá.

Sobre o tema, leia-se nesta mesma seção deste “site”, o artigo “Capacidade Contributiva e Proporcionalidade”.

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