Plínio Gustavo Prado Garcia

O fato gerador da obrigação tributária é o acontecimento previsto em lei que, ocorrendo, desencadeia para o sujeito passivo a obrigação de recolher o valor do tributo. Já, o momento em que deva ser efetuado esse recolhimento, por não fazer parte da hipótese material de incidência do tributo, da tipologia do tributo, pode ser previsto em decreto do Poder Executivo. Evidentemente, nada impede que seja determinado em lei.Seja qual for o caso – salvo as excrescências jurídicas – não há obrigação tributária sem anterior fato gerador.

As operações tributadas podem estar relacionadas com atos isolados ou podem ocorrer no contexto de negócios jurídicos encadeados, como se verifica no caso dos impostos indiretos de que são exemplos as operações sujeitas à incidência do ICMS e do IPI.

 No geral, as operações sujeitas ao ICMS e ao IPI resultam de vendas a prazo, mais do que de vendas à vista.

É certo que o fator tempo tem efeitos sobre os negócios jurídicos. Uma dívida não paga no vencimento acarreta perdas para o credor. A que seja antecipada, beneficia o credor ao mesmo tempo em que reduz a disponibilidade financeira do devedor, salvo se do credor receber desconto pela antecipação do pagamento.

Analisando-se a questão sob o ângulo contábil, nos recebimentos à vista, tem-se a coincidência dos regimes de competência e de caixa. Essa coincidência deixa de existir sempre que o vencimento da obrigação se distanciar da data ou do período de ocorrência de seu fato gerador (regime de competência).

Note-se que todo tributo – salvo as hipóteses de imunidade e isenção –  há de produzir receita tributária. Dessa maneira, toda operação tributada há de contemplar o montante do tributo devido e o montante que não corresponda a valor tributado. Caso contrário, teríamos o confisco.

Não deve haver recolhimento de tributo por antecipação. A menos que se trate de um incentivo ao sujeito passivo em face de operação tributável que venha a realizar, caso em que esse incentivo poderá ser o de desconto sobre o valor a ser recolhido, se efetuado o pagamento antes de seu vencimento.

Voltando à diferenciação entre regime de competência e regime de caixa, fica evidente que, nas operações a prazo, tributadas como operações à vista, há total discrepância de tratamento, já que o recolhimento do tributo é exigido como se todas as operações houvessem sido realizadas à vista. Nas operações a prazo, não há entrada imediata de seu valor à vista no caixa do sujeito passivo da obrigação tributária. Não ingressa nem a receita tributária da venda, nem o remanescente do valor da operação (isto é, seu preço líquido, sem o imposto que compõe seu valor bruto).

A lei e a jurisprudência mandam incluir na base de cálculo do ICMS os acréscimos financeiros (juros) nas vendas a prazo. Todavia, não há lei que exija do contribuinte recolhimento de valor maior do que o do tributo devido. De igual modo, não há lei que autorize a Fazenda Pública a receber em qualquer operação tributada mais do que o valor do tributo ali devido. Ocorre, no entanto, que o valor financeiro sofre alterações para mais ou para menos, tudo a depender do momento em que deva ser pago. Essas alterações só deixarão de existir sob o regime de caixa, se o vencimento coincidir com o nascimento da obrigação que lhe dê origem. Isto é, nas operações à vista.

É certo que a lei desautoriza o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil). Há enriquecimento sem causa, sempre que o credor exija e receba pagamento antecipado do devedor, sem dar-lhe desconto pela antecipação do pagamento. O próprio Código de Defesa do Consumidor garante esse direito de desconto ou abatimento. Apesar disso, as Fazendas Estaduais insistem em tratar vendas a prazo como se fossem vendas à vista, na incidência do ICMS. Valendo-se da lei e da jurisprudência, como que a sustentarem que não haja determinação legal para distinguir entre si essas diferentes modalidades de venda, exigem do sujeito passivo da obrigação tributária o recolhimento do ICMS sem levar em conta, para fins de seu vencimento, o prazo de cada operação.

Como apontado acima, onde não haja valor recebido de operação sujeita ao ICMS, não há, ainda e também, receita tributária resultante da ocorrência do fato gerador da obrigação. Aufere, assim, a Fazenda Pública mais do que o valor do ICMS nas operações a prazo, pois se cinge ao fato gerador como se fosse o bastante para a exigibilidade do tributo, sabido que não poderá haver receita tributária a ser exigida do sujeito passivo nos impostos indiretos, enquanto não venha este a receber do contribuinte de fato o montante do imposto a ser transferido aos cofres públicos.

Nem se diga que o risco da operação seja apenas do sujeito passivo, sabido que vendas a prazo resultam – como fato notório – da própria concorrência e do próprio interesse do mercado consumidor.

Do quanto exposto, há de se convir que o equilíbrio da relação jurídica entre fisco e contribuinte, nas vendas a prazo impõe a necessidade de respeito ao regime de caixa.

O vencimento periódico da obrigação tributária no âmbito do ICMS e do IPI – impostos indiretos – há de ser sempre o do período subsequente ao do recebimento de cada duplicata das vendas a prazo, quando maior não seja. Tal como o é, nas vendas à vista.

Não pode a Fazenda Pública valer-se de omissão do próprio Poder Executivo, a quem, por decreto, compete fixar a data ou o período do vencimento de cada tributo. Nada impede que sobrevenha decreto estabelecendo que, nas vendas a prazo, o recebimento do valor de cada duplicata acarretará o dever de recolher aos cofres públicos, no período de vencimento seguinte, o montante do imposto contido, proporcionalmente, no valor de cada uma delas.

Se a venda é a prazo, a prazo deve ser também o recolhimento do imposto contido na sua base de cálculo.

De vez que a omissão da lei não constitui argumento para justificar o enriquecimento sem causa do Erário, faz jus o sujeito passivo da obrigação tributária, no âmbito dos impostos indiretos, de recompor em seus livros e registros fiscais, a cada mês, a perda financeira resultante do recolhimento do ICMS e do IPI, nas vendas a prazo, antes do recebimento das respectivas duplicatas. Essa perda financeira corresponde, na pior das hipóteses, à variação da SELIC entre a data do recolhimento do imposto e a data posterior em que venha a receber o valor de cada duplicata das vendas a prazo.

Se, como impõe a lei e a jurisprudência, os juros (acréscimo financeiro) compõem base de cálculo do ICMS, e assim, só se fazem presentes nas vendas a prazo, o recolhimento do ICMS nesses casos não pode deixar de respeitar os prazos da operação, pois a única maneira de dar tratamento equitativo a essas hipóteses é parcelando, também, o recolhimento do imposto.

Enquanto não sobrevenham as alterações nos prazos de recolhimento das vendas a prazo, cabe ao contribuinte (sujeito passivo da obrigação tributária) valer-se da via judicial na reivindicação de seus direitos.

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