Modulação dos efeitos significa a possibilidade de se restringir a eficácia temporal das decisões do Supremo em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade nas ações que ali cheguem, de modo a terem efeitos exclusivamente para o futuro (prospectivos).

Essa possibilidade jurídica é consequência da lei 9.868/99, cujo artigo 27 assim dispõe:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

O CPC/15 disciplinou a modulação de efeitos no artigo 927, § 3º, onde se lê que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação de efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

A questão que se põe é a seguinte: Pode uma lei de direito adjetivo, processual restringir, limitar ou retirar direito substantivo reconhecido e concedido por lei material? Civil ou mesmo tributária?

O instituto do devido processo legal se divide entre o processo adjetivo (procedural due process) e o processo substantivo (substantive due process of law) . Aquele sobre as regras aplicáveis aos processos em geral. Este, aos direitos e deveres dos destinatários da norma jurídica.

Como consequência dessa distinção e separação, o processo adjetivo não tem força legal para restringir, limitar ou extirpar direitos materiais substantivos.

No campo tributário, temos as regras determinadas pelo Código Tributário Nacional (lei 5.172/66, recepcionada pela Constituição Federal com efeito de lei complementar), tanto processuais, quanto de direito substantivo.

Como direito substantivo do contribuinte (aqui no sentido lato do vocábulo), lhe é assegurado o direito de repetir ou de compensar o valor de tributos e contribuições pagas a maior, por equívoco, com base em imposição ilegal ou cuja ilegalidade ou inconstitucionalidade venha a ser judicialmente reconhecida e declarada em instância final irrecorrível.

Nesse sentido, o artigo 168 do CTN assegura ao prejudicado o direito a ressarcimento, respeitado o prazo prescricional de cinco anos. Assim, esse prazo retroage da data em que exerça seu pedido de restituição ou compensação tributária.

Evidentemente, por se tratar de direito substantivo, material, não pode ser retirado por norma de direito processual, a ela imponha efeitos “ex nunc”.

Em matéria tributária envolvendo repetição/compensação de indébito (qualquer que seja sua causa) o direito substantivo do contribuinte não pode ficar sujeito a efeitos “ex nunc”, porquanto cabível aí exclusivamente o efeito “ex tunc” da decisão judicial.

Negar-se esse efeito “ex tunc” é o mesmo que admitir efeito confiscatório à decisão judicial, por não se admitir a repetição/compensação de tributo ou contribuição não atingidos pela prescrição em matéria tributária.

A limitação do alcance da modulação – nulidade

Temos para nós que as decisões do Supremo Tribunal Federal em tema de modulação de seus efeitos em matéria tributária padecerão de manifesta nulidade quando decididas com efeitos “ex nunc”, em detrimento do direito substantivo de seu autor ou autores nas ações de controle concentrado de constitucionalidade. Não pode haver modulação “in pejus”. Mesmo nas de controle difuso.

E, exatamente por isso, não terão o condão de se estender a qualquer outro caso senão os desses autores.

A esses autores cabe o direito de arguir a nulidade, junto ao Supremo, dessa decisão quanto a seus efeitos “ex nunc” ainda na primeira oportunidade de manifestação nos autos do processo, por petição intermediária. Argumentarão aí que estará havendo invasão de competência jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, dada a natureza infraconstitucional quanto a decidir se lei adjetiva, processual (a Lei nº 9.868/99) tem força e eficácia para prevalecer sobre o direito material do contribuinte assegurado pelo artigo 168 do Código Tributário Nacional (prazo prescricional de cinco anos para a repetição/compensação de créditos junto à Fazenda Pública).

Nulidade haverá também nas decisões exaradas com efeitos “ex nunc” no contexto das ações de controle concentrado de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.

Os casos já com trânsito em julgado a favor do contribuinte

É evidente que os contribuintes já com o reconhecimento de seu direito à repetição/compensação tributária nos casos já transitados em julgado não poderão ser prejudicados por superveniente decisão do Supremo Tribunal Federal, que viesse a impor efeitos “ex nunc” ao tema ali julgado e decidido em ações das quais o contribuinte não tenha sido parte litigante.

Mesmo porque, tendo a seu favor o benefício da coisa julgada material em face da Fazenda Pública, esta teria de ingressar com ação rescisória.

E em contestação, além do amparo da coisa julgada material, o contribuinte poderá arguir a nulidade “ratione materiae” da decisão do Supremo quanto a essa modulação “ex nunc”, eis que o conflito entre a norma adjetiva e a norma substantiva do artigo 168 do CTN põe a questão no âmbito jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça.

Os contribuintes ainda sem questionamento judicial

Se, de um lado, há, como há, aqueles contribuintes com ações há muito ajuizadas contra a exigência de inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (que patrocinamos desde 94), outras há que ainda se acham omissos ou no aguardo da decisão final do Supremo no RE 576.704/PR nos embargos de declaração da União (Fazenda Nacional).

Nada impede nem impediria que agissem já, judicialmente, na defesa de seus direitos. Não poderiam ficar privados do direito aos créditos do período não prescrito, desde que sigam as recomendações aqui feitas neste artigo.

Conclusão

Espera-se, diante desses argumentos e fundamentos jurídicos, que o Supremo, no próximo dia 29 deste mês de abril de 2021, venha a negar à União (Fazenda Nacional) o pedido de modulação “ex nunc” dos efeitos da decisão que, nos autos do Recurso Extraordinário 576.704/PR reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

Plínio Gustavo Prado-Garcia
Advogado. Formado pela USP 1962. Mestrado de Direito Comparado – Prática Americana pela George Washington University – National Law Center, de Washington D.C. (72). Ex-professor de Direito Civil e Tributário (UNI-FMU e Universidade São Judas Tadeu). Especialista em Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Ambiental e Minerário, articulista (titular desde 2005 do blog “locuslegis.blogspot.com.br”). Comentarista. Parecerista. Consultor de empresas. É sócio fundador de Prado Garcia Advogados.

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